terça-feira, 16 de junho de 2020

Vinho barato e Nessun Dorma

Ei vida, me responde uma coisa. Ou duas ou três, esses dias sou só perguntas para você.
Encarecidamente gostaria de saber a razão de ignorar todos os meus planos.
Você faz o que bem entende, não é? Sua ordinária. Volta aqui com todos os meus sonhos!
Me responde vida, qual o seu jogo?
Olhando para os cacos de quem deveria ser no chão, eu me pergunto como tanta gente se espanta com a morte. A morte é previsível, ela sempre vem. Já você vida, ah você!
Essa imprevisibilidade coloca todos nós de joelhos. Você gosta de ver a gente de joelhos, não é vida?
Já dizia o velho ditado Iídiche: O homem planeja e Deus ri.
Você é assim, vida, você está sempre rindo de cada plano meu. Jogando na minha cara o quanto não tenho controle de nada, além de como reagir ao que faz comigo.
E pior de tudo vida, é que você só me fode e ainda assim não vou te largar.
Por que eu largaria? Você consegue ser doce também, quando bem quer. Tão misteriosa, me incitando o bastante para eu querer saber o que vem depois.
Você é um livro sem sinopse, vida, mas com uma capa tão bonita que não posso não te tirar de estante.
Oh vida, me explica uma coisa, que direito você tem de brincar assim comigo? Eu fechei meu coração, você veio lá e abriu ele com um soco. O quebrou inteiro. E agora como faço? Eu tento fechar ele de volta de todo jeito, mas você vem de novo e de novo, sempre enviando alguém para fazer seu trabalho sujo. Eu não tenho chance alguma, tenho?
Oh vida, me diz aqui, por que você sempre anda presenteando a morte com as pessoas que eu mais quero bem? Essa sua paixão pela morte só me fode. E enquanto isso, meu coração fica escancarado, aberto, onde você sempre vai cortando a sutura que acabei de fazer.
Você vê, vida, até meu linguajar ficou chulo, mas acho que temos intimidade. Aquela intimidade de amantes de longa data, que se amam e se odeiam e não conseguem se largar. Você já está me fodendo não é mesmo? Então posso ficar livre das barreiras de linguagem, sua linda canalha.
Noite passada eu deitei no chão da cozinha ouvindo Nessun Dorma. Uma garrafa do vinho mais barato na mão, tomando goles de gargalo enquanto te xingava, pensando em sobreviver por mais uma noite dessas incertezas. Eu odeio incertezas! Estou sempre querendo saber o final da história ainda na metade, sou assim, entende? Com você não tem isso, para saber se melhora ou piora, tenho que ficar até o final, ler cada palavra, aguentar cada plot twist.
Oh vida, veja só, escrevi isso embriagada, de álcool e de tristeza.
Hoje o sol nasceu e ele estava lindo, como se estivesse o vendo pela primeira vez.
Vida, sua desgraçada, eu odeio que nunca faz o que espero, mas ainda assim, estou aqui.
Vou tentar ver o copo meio cheio.
E depois beber ele. Um brinde a você, sua ordinária. 
Lorem K Morais
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