segunda-feira, 31 de agosto de 2015
Destiny - Animation Short
Café
Nesses dias resolvi reduzir meu consumo de café. Sendo um dos meus poucos vícios, não é uma coisa tão fácil. Re-li um antigo trabalho que fiz sobre as vantagens e desvantagens da cafeína, procurei pesquisas sobre a influência no manchamento dentário. Minha ansiedade me fez decidir, de 5 a seis xícaras por dia, duas ou três. Tarefa mais complicada do que se parece. Mas foi graças a essa nova meta que tive aquela epifania.
Gosto daquele café forte, sem açúcar. Gosto do sabor na língua, puro. Mas o que realmente amo no café, é o cheiro. Aquele cheiro que trás a realização prévia, da imagem e lembrança do sabor, antes de experimentá-lo realmente. Sou viciada no cheiro do café. E não é por que ele me deixa alerta, ativa. O que me atrai no café, como um canto da sereia, são as lembranças desse cheiro. Se eu fechar os olhos, volto para casa, para meus sete ou oito anos, para manhãs de chuva e aquele aroma no ar. Volto para as discussões ao redor da mesa do café, e de vir em casa lanchar no intervalo da escola. E para as tardes, de chegar da praia, e ter o café e o bolo na mesa, e todo mundo enrolado na sala para assistir a velha sessão da tarde.
O café para mim, é minha máquina do tempo. É minha passagem para casa, não importando em que lugar do mundo me encontre. No camping, em um hostel em alguma ilha por ai, em uma lanchonete beira-de-estrada. O café me trás essa ilusão de lar, por segundos.
Pois é, péssimo pensamento para se ter quando estou tentando reduzir o consumo.
Lorem Krsna
Corto Dreamworks - First Flight
domingo, 9 de agosto de 2015
Um pedaço de cada um
Melbourne, 2014 |
Faz um pouco mais de um ano. Eu estava em um hostel em Byron Bay, dividindo quarto com mais 4 pessoas. Uma delas era uma senhora indiana. Quando conversamos, ela falou que estava viajando para escrever um livro, e que já tinha estado em muitos lugares. E que havia deixado um pedaço de si em toda parte que fora. Eu lembro das exatas palavras, e que ela perguntara se eu já me sentia diferente da pessoa que era antes de sentir o gosto do mundo.
"Não é apenas a cultura. Não mesmo. É esses pedaços que a gente deixa pelo caminho, e esses pedaços que pegamos das pessoas."
No fim, somos todos uma colcha de retalhos. Feitos de pedaços que faltam, e pedaços que pegamos de outros.
Lorem Krsna
sábado, 8 de agosto de 2015
O último livro
Hoje eu estava limpando meus livros.
E pensei em meus aniversários.
Vou explicar o porquê.
Eu sempre tive certo azar para aniversários. Em quase todos eles minha mãe tinha que viajar. Quando eu fiquei mais velha, entendi que ela precisava sempre ir para consultas, e que isso era importante demais para desmarcar.
Com um tempo, deixei de me importar com isso.
Ainda assim, minha mãe nunca esquecia um aniversário meu. Ela sempre me ligava. E ela sempre me trazia um livro. As vezes até mais de um. Com um tempo, isso tornou-se nosso ritual. Sempre que ela viajava, se ela via um livro que achava que eu ia gostar, ela me trazia. Minha mãe nunca errou sobre nenhum, e eu guardei todos eles como um tesouro. Fazia anotações, sublinhava as partes para contar para ela depois. Ainda tenho todos, e por vezes me divirto lendo as coisas que escrevia no fim das páginas. Que escrevia para contar para ela depois, ou apenas por que queria mesmo.
Ela nunca fazia nenhuma dedicatória. Todo mundo que me dava um livro, sempre escrevia algo na página da frente. Ela nunca escrevia nada. Pegava a caneta as vezes, ficava olhando, mas nunca sabia o que escrever. Minha mãe escrevia bem, era perfeccionista demais. Tinha que ser perfeito. Escrever só um "aproveite" era ofensivo.
Eu achava isso divertido, então parei de pedir.
Eu tenho todos os livros que minha mãe me deu. Até o último deles. Lembro do dia que ela chegou com ele em casa. Eu o tinha visto quando passava na livraria, ela estava comigo, e me viu namorando o livro pelo vidro por um bom tempo. Uma semana depois ela chegou com ele em casa.
Ela era esse tipo de pessoa. Íamos para o shopping no fim de semana, ela fazia questão de me acompanhar, e ficava sentada enquanto eu passava horas na livraria, lendo os livros sem comprar nenhum. Por vezes ela levava minha irmã e eu, e mandava nós escolhermos algum livro.
Mas esse dia, com esse livro foi especial. De vez em quando eu o abro com cuidado, e ele ainda tem o mesmo cheiro de novo. Se fechar os olhos, eu consigo lembrar dele ainda no plástico, sobre a mesa. Da cara da minha mãe, encabulada, como se aquilo não fosse realmente algo incrível. Como se ela não tivesse ido lá só para comprá-lo. Ela sempre fazia essa cara de "não seja tão emotiva sobre isso, que tolice."
No meu último aniversário, foi quando caiu minha ficha de que aquele seria mesmo o último livro. Ela não ia chegar mais em casa com uma sacola, dizendo que havia visto esse livro e lembrado de mim, e como o vendedor havia dito que era bom.
E por isso meu aniversário ultimamente me deixa triste. Por vezes eu penso que seria melhor esquecer sobre ele. Acho que ainda, no fundo, estou esperando minha mãe chegar com meu livro. No fundo mesmo sempre vou estar esperando.
Lorem Krsna
Assinar:
Postagens (Atom)