Éramos crianças, e as coisas eram fáceis.
Não haviam variáveis.Não haviam meias-palavras. O coração não era tão incontrolável, a alma não era tão cheia de queixumes. Os problemas se iam com o primeiro banho de chuva na rua, em meio a lama e as risadas.
Erámos somente nós mesmos, sem precisar decifrar incógnitas de uma equação tão destrutiva. Não havia pretextos ou sentimentos encobertos. Falávamos sem pensar demais, e as mágoas só duravam até a próxima piada e gargalhada.
Não haviam terceiros a qual temíamos machucar.
Éramos crianças, sim, e os donos da rua, da lua e de tudo. Ríamos fácil, e não havia o porquê esconder o que sentíamos. As amizades eram rápidas, intensas. As palavras não magoavam tanto, não significavam tudo além de um abraço e uma mão na hora da queda. Não procurávamos mensagens escondidas no cotidiano de um bom-dia, nem pretextos por trás de ações...
E hoje, pergunto-me então, se éramos donos do mundo, de onde surgiu este abismo que nos parte?
A lua não cabe mais na mão, nem a rua é mais nosso reino.
Os inimigos não são mais de mentira, e nossas espadas estão enferrujando no baú dos sonhos. O corcel já é manco, e as verdades poeirentas, são varridas para o tapete do bom comportamento.
Que saudades de uma corrida na chuva, pés descalços, bebendo a alegria e euforia. Bebendo a presença suja de lama e de imaginação.
Saudades de falar um bom impropério, sem importar-me com o que dirão de minha educação. De meu riso fácil, e do choro que era tão normal, sem a vergonha, sem a sufocação do peito que parece bater de um modo tão louco e por nada... e por nada.
Sinto falta da inocência regada com a esperteza que tínhamos tão bem.
Mas tudo passou... queríamos tanto crescer, sair do útero confortável mas por vezes restritor da infância, para descobrir que somos jogados, afogados em uma liberdade que nos prende como algemas, que nos sufoca com responsabilidades por vezes temidas serem além do que podemos carregar... mas que ainda assim levamos.
Descobrirmos uma passagem para ser um ser estranho chamado adulto, que não sabe o que sente, se sabe não diz, se diz não demonstra, e quando demonstra é taxado de nomes estranhos... passional, inconsequênte, ingénuo... perigoso.
Somos postos em lugares em que não nos encaixamos, mais ainda assim lá permanecemos, atritando nas beiradas de um quebra-cabeça errado, por temer não encontrar o certo... por temer achar o certo.
E mentir não é mais criar uma história de imaginação... mentir é mal. Mentimos para ganhar, para machucar... por mentir.
Falar a verdade é descortesia, e por vezes machuca mais do que uma mentira.
Omitir-se é o que muitos fazem, e ainda assim é covardia... quando é o outro que o faz, claro.
É sempre o outro, por mais que sejamos nós.
Chorar é fazer papel de bobo, sorrir sem motivo (isso mesmo, tem que ter motivo!), é atestar a falta de sanidade.
Se andar na chuva vai ter resfriado.
E a mágoa... ah, a mágoa! Companheira fiel.
Os adultos sentem mágoa por coisas que fizeram, que não fizeram... que acharam que fizeram, que o outro fez e ele não, que o outro não fez...
Chega!
E ainda tem aquele "troço" que a gente sentia, mas que não precisava de tantas definições.
Aquele tal de amor. Que era o querer estar com alguém, brincar junto, derrubar, xingar para depois sentir saudades.
Ou então aquela calorzinho gostoso do colo de pai e mãe, e a implicância de irmãos, que podem até falar mal da gente, mas que brigavam com qualquer um que ousasse fazer o mesmo.
O tal do coração acelerado e o suor nas mãos, do rosto de pimenta... do ter raiva de alguém por que gostava demais.
Isso tem nome, e vejam só... regras!
Quando regram sentimentos... é que há mesmo algo de errado.
Tínhamos que crescer, enfim. Uma pena, mas preciso...
Éramos crianças... era bom. Crescemos, e lá estamos nós, sem cavalos brancos e torres. Sem espadas.
Não somos mais princesas, feiticeiras, exploradoras, cavaleiros, Merlins...
Somos grandes. Quem diria. Mas nunca tão grandes quanto quando éramos menores.
O que nos resta então, a não ser buscar aquele ser que escondemos tão bem aqui dentro? Ser adulto...deixando que as vezes aquela criança aflore de dentro do baú em que esteve sufocado embaixo de tantas dúvidas inúteis.
E abraçar essa coisa engraçada e louca que definem como vida.
Lorem Krsna
O blog está ótimo, gostei muito dos textos. Parabéns!
ResponderExcluirEu tbm sinto falta do que fomos e acabamos por deixar guardado nos baús das mudanças atemporais...sinto falta dos cafés da manhã, do cuzcuz com café e ovo, das quatro bolachas creme cracker...rsrsr...de quando não conheciamos a dor, a realidade tantas vezes tão dura e intolerável...nostalgia de quando sabiamos quem éramos de verdade e expressavamos isso!!
ResponderExcluiramo vcs...familia, alicerçe...meu tudo!!
Eu não me lamentaria, lamentavel seria passar a infancia prostado em uma cama ou preso na casa da praia, la na outra casa tinhamos o gramado, a chuva e aproveitamos, isso que foi bom, e hoje são as lembranças que nos fazem querer tudo de novo, querer é poder.
ResponderExcluirThomás
Foram bons tempos aqueles...
ResponderExcluirDe certo modo, naquele tempo começamos a construir o que somos agora.
Também sinto falta dos banhos de chuva no gramado, dos jogos loucos de futebol (cada bolada que eu levava...), nem tanto do cuzcuz com ovo...
Mas do cheirinho do café e da bagunça da família...aí aí
Agora só em dezembro pessoas.^^