Hoje eu estava limpando meus livros.
E pensei em meus aniversários.
Vou explicar o porquê.
Eu sempre tive certo azar para aniversários. Em quase todos eles minha mãe tinha que viajar. Quando eu fiquei mais velha, entendi que ela precisava sempre ir para consultas, e que isso era importante demais para desmarcar.
Com um tempo, deixei de me importar com isso.
Ainda assim, minha mãe nunca esquecia um aniversário meu. Ela sempre me ligava. E ela sempre me trazia um livro. As vezes até mais de um. Com um tempo, isso tornou-se nosso ritual. Sempre que ela viajava, se ela via um livro que achava que eu ia gostar, ela me trazia. Minha mãe nunca errou sobre nenhum, e eu guardei todos eles como um tesouro. Fazia anotações, sublinhava as partes para contar para ela depois. Ainda tenho todos, e por vezes me divirto lendo as coisas que escrevia no fim das páginas. Que escrevia para contar para ela depois, ou apenas por que queria mesmo.
Ela nunca fazia nenhuma dedicatória. Todo mundo que me dava um livro, sempre escrevia algo na página da frente. Ela nunca escrevia nada. Pegava a caneta as vezes, ficava olhando, mas nunca sabia o que escrever. Minha mãe escrevia bem, era perfeccionista demais. Tinha que ser perfeito. Escrever só um "aproveite" era ofensivo.
Eu achava isso divertido, então parei de pedir.
Eu tenho todos os livros que minha mãe me deu. Até o último deles. Lembro do dia que ela chegou com ele em casa. Eu o tinha visto quando passava na livraria, ela estava comigo, e me viu namorando o livro pelo vidro por um bom tempo. Uma semana depois ela chegou com ele em casa.
Ela era esse tipo de pessoa. Íamos para o shopping no fim de semana, ela fazia questão de me acompanhar, e ficava sentada enquanto eu passava horas na livraria, lendo os livros sem comprar nenhum. Por vezes ela levava minha irmã e eu, e mandava nós escolhermos algum livro.
Mas esse dia, com esse livro foi especial. De vez em quando eu o abro com cuidado, e ele ainda tem o mesmo cheiro de novo. Se fechar os olhos, eu consigo lembrar dele ainda no plástico, sobre a mesa. Da cara da minha mãe, encabulada, como se aquilo não fosse realmente algo incrível. Como se ela não tivesse ido lá só para comprá-lo. Ela sempre fazia essa cara de "não seja tão emotiva sobre isso, que tolice."
No meu último aniversário, foi quando caiu minha ficha de que aquele seria mesmo o último livro. Ela não ia chegar mais em casa com uma sacola, dizendo que havia visto esse livro e lembrado de mim, e como o vendedor havia dito que era bom.
E por isso meu aniversário ultimamente me deixa triste. Por vezes eu penso que seria melhor esquecer sobre ele. Acho que ainda, no fundo, estou esperando minha mãe chegar com meu livro. No fundo mesmo sempre vou estar esperando.
Lorem Krsna