segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

sozinha na cidade

Deixe-me contar uma pequena história, que aconteceu há muito tempo atrás. Eu tinha então quatro anos, e frequentava a creche que ficava perto de minha casa.
Alguns fatos de minha infância são nublados, mas este está vívido pela importância que teve em minha vidinha de amigos imaginários e fantasmas embaixo da cama.
Como eu disse frequentava à creche, e isso há pouco tempo, a que me recordo. E então houve "aquele dia" estranho. Sempre fui teimosa e extremamente desligada (aspectos estes que hoje ainda deixaram vestígios). Neste dia então, acabei dando um passo ousado para uma garotinha magrela e estabanada: Saí sozinha da creche para casa, sem avisar a ninguém.
O curioso é que minha casa era bem perto, só virando a esquina. Com sorte eu chegaria a três, quatro minutos no máximo. Mas claro que não tinha essa sorte. Segui uma coleguinha (coleguinha esta, que devo pautar que por anos foi uma pedra no meu sapato) que ia embora, por outra rua, e então, naquela manhã vivi uma das maiores e perigosas aventuras que pode ter uma criança de quatro anos: Conquistar as ruas. Sozinha.
Quando tento lembrar-me daquele dia, me vem o sentimento de liberdade em primeiro lugar. Inebriante. E em seguida a angústia. Depois o medo.  Medo da bronca, de não conseguir mais encontrar minha casa após perceber em alguns minutos que estava completamente perdida. Lembro também das horas passando, de algumas pessoas que me pararam na rua (não recordo quem, nem o que falaram). E do sol esquentando sobre mim à medida que o tempo passava.
E então do choro.
Chorei muito mesmo assim que percebi que não ia encontrar minha casa. Pensando que minha mãe não ia me encontrar, e se me encontrasse que ia estar zangada.
Cada movimento na rua era um inimigo em potencial, e ao mesmo temo uma chance de voltar para casa. Foram às horas mais absurdas das quais até hoje recordo de ter passado.
E então alguém falou comigo e pegou na minha mão. Eu chorava tanto que não me lembro de uma só palavra, nem mesmo do rosto, de nada.
Mas lembro bem quando a pessoas me levou por outra rua e eu avistei minha mãe, e mais algumas pessoas.
Ela chorou.
Eu chorei.
O alívio e o medo.
E eu voltei para casa.
Quando lembro hoje, aquela manhã (me contaram que foram poucas horas) pareceu dias inteiros. Senti-me desbravadora e infeliz. E o pior é saber hoje que estava a poucas ruas de casa, fora o fato de ter me perdido em uma das cidades menores de que se tem notícia! Nunca vou esquecer isto (nem que tentasse, ninguém me deixa!).

No dia em que saí de casa, já tantos anos depois deste caso, foi exatamente esta lembrança que me tomou.
A sensação de liberdade. A desbravadora! E também estar perdida, temendo não achar mais o caminho de "casa". O medo de pegar "uma rua errada", e não poder mais retornar.
Não ser mais quem eu era.
Mas então quem veio e tomou minha mão não foi uma pessoa. Foi um sentimento, uma vontade absurda de desbravar os caminhos, minha escolhas, meus objetivos.
E a certeza, que eu poderia sim achar o caminho para o lar, e que ele estaria perto, sempre perto. Assim como naquele dia estivera. Não importa se a metros, ou há 800 quilômetros, eu sempre vou poder retornar. Por que tenho a quem retornar, e isso me deu a certeza de que não estou perdida por que desde pequena haviam ensinado-me o "caminho".
E de repente nenhuma angústia pareceu ter qualquer sentido, nenhum medo dos inimigos em potencial ou das decepções. Eu já havia passado por aquilo. Eu era uma forte, e tanto quanto eu poderia ser.
Era uma desbravadora.
E aquilo foi o melhor sentimento do mundo para mim.
Por que, no fim, com quatro anos sai de casa, me perdi e encontraram-me.
Com dezoito sai de casa,  me perdi e encontrei a mim mesma.

Lorem Krsna

Um comentário:

  1. "É preciso se perder, pra se encontar"
    Boa sorte nessa construção e desetruturação constante, a vida nos ensina que é preciso demolir, derrubar, arregaçar e destruir algumas coisas confortáveis, para que nos reconstruamos para a felicidade...é necessário que os sentidos se desfaçam...a vida é uma eterna gestalt...!

    Obs: Se for se perder, ao menos avisa antes, para que eu não fique com vontade de te matar por não dar noticias, afinal o celular é pra ligar né "Rori".

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