segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Coisas da vida...


Eram meados do mês de julho. Eu voltava da casa de meu irmão, após ter passado o dia com ele, minha cunhada e minha linda sobrinha que na ocasião tinha pouco mais de dois meses.
O sol de fim de tarde incidia na janela do ônibus quase vazio àquela hora. Só havia afora o motorista e o cobrador, eu e mais três passageiros, sendo eles uma dupla de adolescentes um pouco mais novos do quê eu trajando uniforme escolar, e uma mulher que falava sem parar no telefone.
Pulei algumas paradas antes de minha casa. Entrei em uma livraria. Fazia três semanas que ia lá sempre que podia, e ficava folheando um livro que por mais que tentasse não conseguia juntar a quantia exata para comprá-lo. Vida de estudante é um aperto! Mas achava que mais algumas três visitas e terminava de lê-lo (hehe^^). O cheirinho de papel novo e o barulho de páginas sendo viradas inundavam o lugar de um modo familiar para mim, misturando-se com um aroma de café vindo de algum ponto fora da livraria. Adoro sair de casa sozinha, às vezes até sem rumo programado, para observar os lugares e pessoas. Perder-me na multidão, praticamente invisível.
E estava eu, encostada em uma parede próxima a uma das estantes quando a porta abre-se. Não sei bem o que me atraio a atenção, mas provavelmente foi a quebra do sossego, já que a maioria também olhou.
Porém, diferente de mim, eles logo voltaram-se novamente para os seus afazeres e livros. No instante que olhei me senti estranhamente intrigada com aquela figura. Era um homem jovem, no máximo 22 anos, e poderia passar-se por comum na multidão. Altura mediana, camiseta pólo preta e jeans desbotado. Fones no ouvido e um ar inquieto. Nada demais que atraísse minha atenção, a não ser a sensação de que o vira já em algum lugar.
Irrito-me quanto tento lembrar-me de algo e não o consigo até que tenha passado a ocasião, e por esse motivo não parava de olhá-lo. A única característica incomum na figura poderia passar despercebida aos menos observadores: justamente o ar inquieto nos olhos pretos demais.
Uma vendedora de dispôs a atendê-lo, e o ouvi pedindo algo de Hermann Hesse, autor conhecido meu.
Ao notar que eu o olhava, encarou-me por um instante e sorriu. Correspondi timidamente e voltei ao meu livro. "Só faltava o 'cara' pensar que eu estou paquerando com ele!" Pensei, e tratei de tentar esquecer o assunto. Mas minha mente é teimosa, e logo estava passando em lista todos os lugares prováveis aonde que eu tenha visto ou conhecido aquele sujeito. Não consegui recordar e convenci-me de talvez tenha sido na própria livraria. Fiquei satisfeita ao olhar para a porta e ver que ele tinha sumido de vista. Voltei ao livro e já me perdia nas páginas, esperando que passasse e dissesse que ali era uma livraria e não uma biblioteca.
- Posso?
O cheiro me alcançou antes da voz, mesmo assim levei um susto considerável. E sendo eu, bem, 'eu', claro que quase derrubei a estante. Todos os olhares caíram em cima de mim, e senti meu rosto esquentando e ficando rubro enquanto pegava os livros que caíram e os restituía a estante com ajuda do estranho e de uma vendedora simpática.
-Deixe comigo - ela sorriu
Pedi desculpas pela trapalhada, e quando tudo retornou a normalidade no local, meu rosto ainda estava totalmente vermelho.
O estranho ainda estava lá e riu em voz baixa:- Só 'ia' pedir um livro que estava perto de você.
Assenti ainda enrubescida e lhe dei passagem, ainda hesitante em retornar ao livro que eu lia, ou sair da livraria antes que a colocasse abaixo.
-Foram só alguns livros.
O rapaz falou enquanto passava os olhos nas páginas de um livro do qual reconheci o titulo de imediato, por ser um dos meus favoritos 'DEMIAN ' do escritor alemão Hermann Hesse.
-Foi quase a estante inteira- murmurei ainda inquieta por ainda não saber de onde o conhecia.
-Podia ter sido pior. Podia ter confundido uma vendedora com um manequim e a apalpado por acidente...
Dessa vez eu ri mesmo. Imaginei até a cena. Trapalhadas eram do meu feitio.
-Acontece
-É, acontece.
Ele ia falar mais alguma coisa quando seu celular tocou e me afastei devagar. Olhei em meu aparelho e levei um susto. Já estava muito tarde e eu não havia avisado de minha demora.
Saí da livraria apressadamente.
Não o vi mais desde aquele dia. E nem mesmo lembrei-me de onde o conhecia e por muito tempo esqueci totalmente do assunto.
Isso até dias atrás.
Passava na rua quando o vi dentro de um carro. A mesma sensação anterior me bateu. Algo conhecido que não sabia explicar. A sensação chata de querer lembrar-se de algo e não conseguir.
Fico pensando quem ele é, o seu nome e o que faz. Imagino o porquê do olhar inquieto, daqueles que querem muito mais da vida.
E principalmente se um dia vou saber de tudo isso, ou ao menos lembrar de onde o conheço.
Às vezes passamos por pessoas nas ruas e ficamos imaginando suas histórias. E nos deparamos com rostos conhecidos, por que de certo modo eles refletem coisas que somos e guardamos. Imagino se foi isso, mas creio que nunca vou saber ao certo.
São coisas da vida. 
E a vida em si é um mistério.

3 comentários:

  1. Talvez o mistérioe steja em você e não no desconhecido que busca compreender, conhecer, rever...afinal é aquele desconhecido que te instiga ou o que nele te mostra que a busca,na verdade e alicerçada no meu "talvez', é na verdade pelo que não conece em si mesma e te inquieta tanto?!!Não sei, não sabes, ele não sabe...fazer o que né?!Que graça teria se não fossem os mistérios??E oq ue seria de minha profissão se não fossem as buscas/?(kkk)....

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  2. Identifiquei-me totalmente com as palavras.
    Um forte abraço.

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