domingo, 24 de outubro de 2010

Sax

Retornava do cursinho em uma manhã chuvosa de sábado. Na ocasião, estudava em uma cidade vizinha a que moro, e me encaminhava para o ponto de ônibus quando decidi tomar outro caminho mais longo apesar da fina garoa. Precisava de um tempo para pensar em alguns problemas que me assaltavam no alto de meus 17 anos.
Sabia que quando chegasse em casa provavelmente estaria só, pois minha irmã havia saído. Nunca me importava muito com isso, mas naquele dia em especial não era uma boa idéia para mim. Minha mente me levava para caminhos tristes, sensações melancólicas e dúvidas. Estava sozinha, com uma chuva fina ensopando meus cabelos enquanto os demais se abarrotavam nas calçadas ou se protegiam em grandes guarda-chuvas aguardando o fim da garoa.
Recentemente havia rompido com um grande amigo, por conta de meros mal-entendidos estúpidos. E essa ausência juntava-se com muitas outras, como saudades da família longe, discussões recentes com minha irmã, não ter ninguém com quem conversar ou contar como me sentia. Sem qualquer compromisso ou receio. Falar sobre meus erros tão bobos, tomando um café ou algo assim.
A chuva caia e escorria, mas os problemas, as vontades e as questões continuavam impregnadas em mim, bem dentro.
Dobrei em uma rua e então  ouvi claramente o som do saxofone. Reconheci a música detalhes, de Roberto Carlos e de imediato lembrei-me de meus pais. O som conhecido retumbava nas calçadas acima do som dos passos ou da chuva, e misturava-se aos aromas na magia da música. E quando percebi, já cantava baixinho a letra por trás das notas conhecidas.
Procurei de onde vinha guiada pelo ouvido. E encontrei o som vindo de uma casinha amarela, com um portão de ferro pintado de branco. Havia flores em um canteiro e uma placa anunciando a venda de quadros. Parei do outro lado da calçada, olhando e ouvindo maravilhada as notas seguidas. Não conseguia mais sair do lugar.
Vi por trás das janelas abertas os quadros a venda na parede. Eram pinturas a óleo de pessoas. Por um instante, movida pela curiosidade pensei em entrar com a desculpa de ver as obras, só para saber quem tocava de forma tão apaixonada pela vida. Se era homem ou mulher, sua idade, sua cara.
Lá dentro a música mudou e novamente a reconheci. A ouvira certa vez, anos atrás em uma novena em minha cidade. Cantada pela voz de um amigo de meu irmão que participava do coral da igreja.
Algo se movimentou na casa, como um despertar e eu afastei-me contra a vontade, como se fosse acordada de um transe no instante que a música se interrompeu. Ouvi vozes e segui meu rumo. Quando dobrava na outra esquina o som recomeçou e quando dei por mim cantava a canção embalada pelo som já distante do sax:
“Quando a solidão doeu em mim/quando meu passado não passou por mim (...) /quando os meus olhos não podiam ver/tua mão segura me ajudou a andar...”
Naquele dia ao chegar em casa não consegui mais me sentir só ou isolada. Meus problemas pareceram sem sentido; Liguei para meus pais e lhes ouvir a voz amenizou a saudade.
Eu sentia que podia fazer tudo. E em silêncio agradeci ao artista que colocou tanta paixão ao som daquele sax, e que me lembrou uma capacidade minha que eu estava deixando-se encobrir por trás de meus desalentos e devaneios: A capacidade de LUTAR, acima de qualquer tormenta que viesse. Apesar de qualquer nuvem que nublasse meus objetivos.  Por que pura e simplesmente eu tinha um sonho, não podia ousar deixar desvanecer.

2 comentários:

  1. Massa, gosto quando escreves de um episódio de sua vida, afinal aprendemos pelo exemplo e a maneira como escreveu me fez enxergar uma imagem a qual a muito não via, é bom expressar o que sentimos e ao que pude perceber pela exatidão de vossa tristeza é que se tua voz tivesse força igual a imensa dor que sentes o teu grito acordaria não só a tua casa, mas toda a vossa vizinhança, grite se isso te fizer bem mesmo que isso desperte a inveja de quem não o faz, quer serja por que não consegues, quer seja porque não pode.

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  2. Quando escreves,seja dando asas a tua imaginação, seja sobre teus sonhos, seja sobre tua vida, fazes como tua alma, e isso faz com que esses textos nos prendam e envolvam. Sou sua fã.

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