quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Entre motos e asas


Era um grande despenhadeiro. Por mais que eu olhasse para baixo não consegui ver-lhe o fundo. Havia um barulho de corredeira, indicando a existência talvez de um rio nas profundezas.

A chuva fina escorria por meus cabelos que insistentemente grudavam em minhas costas e testa. Por baixo dos jeans puídos e da camiseta que provavelmente um dia fora branca eu tremia de frio. Meus pés estavam atolados na lama barrenta que não permitia que eu caminhasse normalmente.

 Saí da beira do penhasco, temendo que o vento me empurrasse para as profundezas e segui para a colina de pedras que margeava o outro lado da estradinha de terra. Minha mente não estava tão confusa agora. Eu sabia o que tinha que fazer: tinha que alcançar a estrada principal que me levaria à cidade mais próxima e havia urgência nisso, alguém precisava de ajuda e eu era a responsável por consegui-la.

A moto enlameada estava recostada no paredão, como eu havia provavelmente deixado. O capacete velho, de uma cor próxima do vermelho estava no banco. Subi na moto, tremendo ainda e enfiei o capacete. Não conseguia fazê-la pegar. Minha perna parecia feita de trapos, resultado talvez de meu medo de pilotar motos, adquirido há alguns anos.

Mas não havia tempo para hesitações. Consegui fazê-la pegar na terceira tentativa e o som do motor parecia o de um animal enraivecido, ferido e principalmente velho. Fiquei olhando para a estrada à minha frente.

Parecia uma fina cobra enroscando-se na serra. Uma descida íngreme. De um lado o paredão de pedra, do outro o vazio. Não tinha medo da altura, mas qualquer descuido ou me chocaria contra o paredão ou flutuaria no vazio e até o ponto que eu sabia não tinha asas, então era lógico que eu estava com medo.

Engoli em seco e fiz uma prece silenciosa e parti na estrada. E tudo o mais parecia um borrão enquanto descia velozmente e sem muito controle. Uma vozinha em minha cabeça gritava que eu iria me arrebentar nas curvas, mas eu não conseguia mais parar.

Pareceram minutos, e eu avistei ao longe um farol. A chuva caia torrencialmente, mas eu já não tinha qualquer controle. Só sabia que tinha que chegar ao meu destino.

No momento que avistei o farol e a outra moto no sentido oposto, meu coração deu um salto e quase parou. A estrada era estreita. Eu ia bater. Tentei parar e a moto guinou na lama e caiu me arrastando.

Sentia os ferros em cima de mim,  quando me vi livre do peso ouvi o barulho de algo caindo no vazio. Agarrei-me instintivamente a algo. Vi então a cena com mais clareza, minha moto acabava de despencar abismo a baixo. Eu estava pendurada, agarrada a uma raiz com o vazio abaixo de mim. Não conseguia gritar, tudo parecia muito rápido. Comecei a tentar escalar pela raiz, mas minhas mãos escorregaram e meus pés dançavam no nada sem controle.

E então no instante em que a raiz escapava de minhas mãos, algo agarrou o meu pulso com força. Fui puxada para cima e caí na lama com um estranho torpor no corpo. Os olhos cerrados. Precisei de um momento para voltar a respirar normalmente, e foi quando notei a presença de alguém em minha frente.

Tiraram meu capacete e a chuva voltou a molhar meu rosto.

Alguém me arrastava para longe do penhasco. Abri os olhos no instante em que me encostaram no paredão. A pessoa estava agachada à minha frente, me olhando por trás do capacete negro. Usava um macacão de MotoCross. Olhei para o bolso da roupa e vi então o par de asas bordados em linha branca no tecido azul escuro.

Ele estendeu-me a mão enluvada sem nada dizer e ouvi um barulho ensurdecedor e irritante.

Acordei em minha cama, com o suor pregando em minha roupa. Fazia um calor insuportável e meu celular tocava insistentemente.



Um comentário:

  1. estranhos e aventureiro, alguns sonham com momentos vividos que aconteceram pelo decorrer do dia, você sonha com os desejos mais profundos de aventura que o corpo te pede e a mente te proporciona sem pudor pela noite.andar de moto "avuado" rsrsr nas férias te ajudo viu.

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