quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A protegida


Tudo começou por conta de um grito, um grito que cortou a noite chuvosa como um trovão sinistro.
A rua de sobrados antigos se erguia obscura ante aos passos por entre as poças de água e lama do calçamento de pedra. A tempestade fazia um manto de água que cobria tudo a qualquer vista por entre as luzes dos postes que piscavam querendo apagar-se.
O capuz da camisa não protegia da água que me ensopava até os ossos, e meu cabelo grudava em minhas costas. Os tênis guinchavam e medida que tentava aumentar o passo, temendo os tropeções diante de minha cegueira momentânea causada pela chuva forte.
E então veio o grito cobrindo o som de tudo, me fazendo tropeçar e cair na rua. Senti uma pedra rasgar imediatamente a palma de minha mão e vi paralisada o sangue escorrer e descer a rua misturado à lama e água.
Olhei para trás e vi um vulto que se aproximava devagar. Levantei-me de supetão e corri cega, o máximo que pude sentindo a perseguição.
O galpão se desenhou a minha frente e entrei nele, escorregando molhada e me levantado com esforço.
Escondi-me por entre as dezenas de caixotes que cheiravam a mofo no recinto úmido e cheio de goteiras.
Escorreguei para o chão tentando fazer o mínimo de barulho, naquelas ocasiões em que qualquer movimento parece uma orquestra infernal somente por que você quer ser silenciosa.
Tentei conter até o mínimo sopro da respiração ofegante e esperei até ver a sombra surgir adentrando no local. Segurei a mão cortada tentando conter o pavor e preparando-me para correr novamente. Tentei enxergar por entre os caixotes e nada vi. E neste momento uma mão puxou meus ombros obrigando-me a me levantar do chão. Gritei e senti puxarem o capuz do blusão para trás. No mesmo instante armei o punho e desferi um golpe às cegas, que para minha surpresa atingiu algo mole e quente, e ouvi o grito e o palavrão no instante em que a mão afrouxou e consegui escapar jogando caixotes pelo caminho.
Tentei correr para a porta, e acabei deslizando novamente, desta vez não tive tempo necessário e fui pega antes de levantar-me.
Chutei, xinguei e tentei socar novamente, mas desta vez sem qualquer sucesso, estava imobilizada.
- Me larga filho-da-mãe! - gritei raivosa.
- Shhhhh - o estranho fez ofegando pela corrida - Se acalme sua louca, não quero te fazer mal.
- Claro, e eu toco violão como Tommy Emmanuel - O tremor na voz cobria meu sarcasmo - Tenho cara de idiota?
- Quer mesmo que eu responda? - Ele suspirou e conteve um chute meu - Você dá trabalho demais. Custa me ouvir?
- Foi mal, não ouço muito pessoas que correm atrás de mim no meio da noite, me jogam no chão e ficam em cima de mim!
- Não te joguei, você caiu. E não estaria em cima de você se ficasse calma um pouco. Tem um punho de ferro sabia?
Tentei chutá-lo mais algumas vezes e não consegui, aos poucos fui me cansando
.- O que quer de mim afinal?! - Falei por entre dentes
- Quero ajudar, mas você fica dando trabalho para mim, o negócio ta ficando difícil sabia?
- E quem é você no fim das contas, além de um maluco que sai perseguindo moças no meio da noite?
- Não é óbvio? - Ele suspirou - Vou te soltar se correr te derrubo ta ouvindo?
Ele afrouxou os braços e nos sentamos. Estava pronta para correr a menor distração, o olhei desconfiada e então parei. Conhecia aquele rosto não?
Olhos escuros demais, correntinha de asas e roupas pretas surradas. E aquela cicatriz cortando o braço e subindo por ele até o pescoço, mais viva do que recordava quando criança.
- Ah, lembrou né senhorita?
Fiquei corada.
- Hum...
- Agora acorda de uma vez sua boba, e para de dar trabalho.

Acordei suada na cama.
Caramba. Tenho que parar de trabalho para meu anjo da guarda.


Lorem Krsna



Leia também Quem é meu anjo da guarda

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